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Publicações / Ecoeconomia

Sustentabilidade da Vida: Um eco desafio para resolvermos
Eduardo Werneck Ribeiro de Carvalho - Jun/2002

Os fundamentos da eco-nomia tiveram profundas raízes no pensamento filosófico no século XVI e XVII, onde podemos destacar, entre outros, René Descartes, Francis Bacon e Isaac Newton. O famoso pensamento de Descarte restringia o existir àquele que pensava (Penso, logo existo). Aquele que não pensava não tinha vida e, portanto, podia ser destruído ou consumido, sem culpa, pelo homem. Bacon defendia abertamente em seus pensamentos que o homem tinha que se aproveitar ao máximo da natureza no que lhe podíamos extrair em benefício do homem. Quanto a Newton, devemos a ele toda a formulação matemática e física que determinou os conhecimentos sobre a teoria do equilíbrio, usada na economia.

Uma das primeiras correntes de pensamento econômico, a fisiocracia (primeira metade do século XVIII) dizia que: “Toda a riqueza emana da terra”. Todas as demais formas produtivas não ligadas à terra, indústria e comércio, são estéreis, em nada contribuindo para a riqueza humana. Esta talvez tenha sido o ultimo reconhecimento do pensamento econômico quanto à importância da natureza para a construção dos valores humanos... Foi Adam Smith, e sua “mão invisível”, quem sintetizou todas essas influências filosóficas, humanistas e econômicas gerando o primeiro tratado sobre economia formalmente reconhecido como tal, “Uma investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”. Era a economia do laissez faire em contraponto ao absolutismo monárquico, onde Smith defendia que a defesa dos interesses próprios gerava satisfação e lucro para os indivíduos e isso resultava em maior bem estar e riqueza para as nações. Apesar de o título insinuar, não era prioridade de Smith em sua construção metodológica, aprofundar uma investigação sobre a natureza sob o prisma ecológico. Preocupava-se mais com a iniciativa do individuo, a organização da produção, a divisão do trabalho e a não intervenção do Estado. Era a natureza do homem que mais lhe importava.

A partir de então, o Homem se consolidou na crença de pertencer ao topo das cadeias econômica e ecológica, tratando-as de formas distintas, estruturando e valorizando processos de exploração e produção baseados unicamente em servir à produção das “necessidades” humanas, sem nenhuma preocupação ecológica ou de preservação ambiental.

É bem interessante que as noções de valor baseavam-se na escassez de produtos e no esforço de produção. Matérias outrora abundantes ou fáceis de serem obtidas como “ar” e “água” eram considerados sem qualquer valor econômico. Evidentemente que as conseqüências não podiam ser mais nefastas para a natureza: Água e ar puro entrando para o grupo dos bens economicamente preciosos. Com o requisito da escassez atendido, a água já tem um valor financeiro que deverá crescer no tempo e já não é mais exemplo nas universidades de “bens essenciais, mas de pouco valor econômico”. O ar puro, antes abundante e também economicamente irrelevante, apesar de essencial à vida e à saúde de nossos pulmões, também se torna cada vez mais escasso. A atmosfera está cada vez mais sobrecarregada de gases que provocam o aquecimento da terra e elevação dos oceanos com riscos de vermos cidades costeiras serem invadidas pelas águas. As ilhas do Pacífico que o digam. Obrigado Nova Zelândia por aceitar acolher o povo de Tuvaru.

Estamos na iminência, nos próximos 50 anos, de esgotamento de importantes reservas minerais. Isto quer dizer que em apenas dois séculos ou 200 anos vamos conseguir acabar com o petróleo do planeta, o qual demorou alguns milhões de anos para se formar. Estes foram os resultados dos 250 anos decorridos do início da Revolução Industrial e do tratado de Adam Smith.

Vamos só citar algumas conseqüências do modelo de vida escolhido por nós seres humanos, por todos nós indistintamente, inclusive pela maioria de nós ecologistas e ambientalistas ( temos de aceitar essa verdade: reclamamos mas continuamos andando de veículos a gasolina e a diesel. Os alimentos que ingerimos chegam a nós, em grande parte via, caminhões a diesel. E todos sabemos disso. Nada disso é novidade. Só não aceitamos ou, não ainda assumimos, que a solução depende de cada um de nós, sem exceção):

• A poluição aumentou 15%, nos últimos dez anos, apesar da Agenda 21 e das intenções do Protocolo de Kyoto e de todas as ações ambientalistas.

• Os Estados Unidos, responsáveis por 1/3 das emissões recusa-se a assinar o protocolo de Kyoto. Estes pais têm 5% da população mundial e consome 25% dos recursos naturais, sua renda percapita é seis vezes maior do que a média mundial( e condena a distribuição de renda no Brasil..interessante não?)

• Nosso modelo de vida não comporta a sua universalização para toda a humanidade:

• O sistema de vida desenvolvido nas economias ocidentais teve a adesão, do Japão, após a segunda grande guerra e com o fim da guerra fria os tigres asiáticos e países comunistas (países da antiga cortina de ferro, China e outros países do sudeste asiático) importaram modelos de consumo ocidentais, a partir dos anos 80.

• Se atribuirmos somente à China e Índia, que somam 2,2 bilhões de habitantes, uma renda per capita, por exemplo, de US$10000(quase um terço da renda dos americanos), o PIB anual seria da ordem de US$22,2 trilhões, mais de duas vezes o PIB americano. Será possível imaginar esses dois países pensando igual aos Estados Unidos, emitindo um nível de gases poluentes duas vezes maiores do que a dos americanos?

• Se todos os países do mundo conseguissem conquistar também renda média de US$10000, o PIB mundial seria de US$62 trilhões, seis vezes o PIB americano.

• Onde haveria recursos naturais para tanto? Quantos planetas TERRA seriam necessários para atender a essa demanda mundial.

• Considerando-se uma necessidade de terra para produção de alimentos, na base de dois hectares por habitante, seriam necessários 124 milhões de KM2 só para produzir alimentos. Essa área equivale a mais de 50% da soma das áreas da América do Norte, América do Sul, Europa, Antiga USSR, China e Índia.

• Uma pergunta final: Como se dará o aproveitamento dos combustíveis fósseis quando sua escassez ameaçar a saúde de todas as economias? Haverá partilha justa? Não seria o caso de mudarmos a nossa matriz desde já que disputas dessa natureza possam acontecer?


A nossa sustentabilidade exige uma mudança de paradigma no pensamento econômico

É evidente, portanto, que tais padrões de produção serão impossíveis de serem obtidos, sem uma profunda revisão em nossos valores eco-nomicos. Precisamos nos repensar, levando em consideração a produção de bens sob a ótica da preservação do ambiente global e de um padrão mínimo de satisfação das necessidades essenciais para todos. Nossas estruturas de produção e hábitos de consumo desenvolvidos nos últimos duzentos e cinqüenta anos não podem ignorar que a natureza demorou centenas de milhões de anos para esculpir-se e o “arquiteto ainda não terminou sua criação”.

Quando falamos em sustentabilidade, falamos dos preceitos básicos que determinaram a criação dos seres vivos. A moderna Teoria dos Sistemas Vivos diz que uma vida auto sustentável pressupõe quatro processos básicos: criação, manutenção, renovação e diversificação. Nenhum sistema poderá sobreviver de forma auto sustentada se não levar em consideração esses princípios fundamentais: os seres vivos devem ser capazes de se criar, de se manter vivos, de se renovarem e se diversificarem. A biodiversidade é que dá a força. Quanto mais espécimes, menor o risco de extinção da vida.

A teoria econômica jamais enxergou a organização de seus preceitos científicos dessa forma. O processo é vetorial: entrada/exploração de matérias primas, processamento/transformação em produtos, saída/consumo/resíduos. Em um ambiente ecológico, os resíduos são inteiramente aproveitados. Em um ambiente econômico, não. É, portanto, um sistema basicamente de ações destrutivas em suas fases de exploração, transformação e consumo. Apenas os resíduos não reaproveitados não são destruídos e deixados em aterros sanitários e lixões, contribuindo para a contaminação da atmosfera. Onde está a sustentabilidade? Onde está a eficiência na alocação de fatores?

A velocidade exploratória e destruidora de das últimas gerações estão gerando encargos crescentes para as gerações futuras. É bem possível que nossos bisnetos não nos vejam com bons olhos, pois estamos legando a eles um mundo sem florestas, mais desertos, sem água, sem ar, quantidade crescente de pessoas excluídas da economia e confinadas em espaços urbanos exíguos, que favorecem a violência. Simplesmente não estamos conseguindo produzir alimentos em quantidade suficiente para mais de ¼ da população mundial. Este percentual representa hoje “apenas” 1,6 bilhão de pessoas. Daqui a cinqüenta anos serão mais de 2,5 bilhões de pessoas com fome e sem água para beber.

Precisamos modificar nossas bases de pensamento econômico e convergir para uma visão ecológica. Precisamos valorizar estudos e pesquisas relacionados à cadeia produtiva, uso de “materiais reciclados ou reutilizados”, especialmente no que concerne à água, energia e lixo. Precisamos valorizar o desenvolvimento de uma ética ambiental. Precisamos priorizar conceitos que introduzam processos de produção limpa, que utilizem fontes renováveis e não poluentes de energia, como o sol e o vento, e tratá-los como insumos fundamentais em nossa cadeia produtiva. Precisamos fazer muita coisa e sabemos disso.

Mas para que tudo isso possa acontecer, em vez de ambientalistas e não ambientalistas ficarem trocando acusações como se espécies diferentes fossem, o homem econômico tem de entender que o prefixo “eco” da “eco” - nomia é o mesmo da palavra “eco”- logia. O habitat é o mesmo. Vale para os ambientalistas e não ambientalistas, para economistas e ecologistas. Para brancos, pretos, amarelos e índios. Como disse o Chefe Seattle, respondendo aos interesses dos Presidentes dos Estados Unidos, interessados em comprar suas terras: “O que acontecer à Terra, acontecerá aos filhos da Terra”.

O profissional de economia tem de entender que tem um papel importante, não apenas discutindo juros, emprego, renda, consumo, impostos e investimentos, balanço de pagamentos e outras tantas variáveis importantes, sim, mas irrelevantes se não forem considerados a partir de uma cadeia de produção e de consumo que permita o reaproveitamento integral de todos os resíduos de consumo, respeite as riquezas naturais fundamentais, “água, ar, mar, florestas, fauna e flora, minerais” e não gere excedentes de gases que a natureza e nossos pulmões, não conseguem absorver; não gere resíduos que não consigamos reaproveitar. Este é o conceito de sustentabilidade que devemos buscar. Podemos com essa mentalidade, tentar permanecer por mais alguns milhões de anos e não discutir nossa sobrevivência em mais algumas centenas de anos, com serias dúvidas de conseguirmos alcançar o quarto milênio.

A sustentabilidade macroeconômica ou a sustentabilidade microeconômica ou quantas outras formas de visão econômica da sustentabilidade que queiramos construir, devem partir de um equilíbrio dinâmico Homem – Meio Ambiente, caso contrário será fortes candidatos a dinossauros, em seu estágio final de extinção.

Estamos saindo do lugar, muito lentamente mas estamos. Muitas empresas estão se orientando para esse propósito, não por causa de utopias ecológicas, mas porque estão começando a ser cobrado para buscar valores alem do lucro imediato dissociado de qualquer responsabilidade para com seu ambiente. Vejam o que diz o presidente da WWI-WorldWatch Institute: “As principais indústrias automotivas estão, todas, desenvolvendo motores de células de combustível. A Daimler Chrysler planeja iniciar a comercialização de um automóvel movido a hidrogênio, ainda nesta década. Mesmo os líderes da indústria petrolífera reconhecem que iremos finalmente sair de uma economia energética baseada no carbono para uma baseada no hidrogênio”. Vejam a British Petroleum na Inglaterra que já cumpriu suas metas voluntárias de redução de emissão de gases e continua em seu propósito de se transformar em uma matriz energética. A ESSO teve orientação para buscar oferecer alternativas energéticas limpas. Essa orientação foi aprovada em sua assembléia de acionistas. A 3M tem como meta desenvolver uma cadeia de processos industriais contemplando 100% de reciclagem e geração 0% de resíduos.

Para que todos os atores, nessa nova era, possam cumprir e desenvolver papeis de forma organizada, será útil institucionalizar os mecanismos de giro de recursos voltados para aplicações ecológicas. Como se trata de um mercado ainda novo, com poucos anos de gestação. Discutir exaustivamente o desenvolvimento de regras de captação e aplicação dos recursos. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL, a Bolsa Brasileira de Commodities Ambientais – BECE a formação de fundos ecológicos com regras e princípios claros de constituição e gestão.

A economia mundial é cada vez mais universal na adoção dos fundamentos capitalistas, onde naturalmente o lucro e a competição são os seus principais combustíveis. Para que os fundamentos capitalistas dêem resultados positivos de redução da exclusão social e contribuição para uma produção útil e limpa, ele deve abrir mão de certos princípios: o princípio da maximização dos resultados financeiros e o principio da não solidariedade em suas ações. Competição e cooperação têm de conviver harmonicamente, sob a ameaça de a exclusão social chegar a 100%, isto é todos os homens serem excluídos da vida na Terra. Se não aprendermos a respeitá-la ela haverá de se fazer respeitar. A natureza não abre mão de suas regras, onde competição e cooperação atuam de forma equilibrada.

É imperativo portanto a convergência entre as visões eco-nomicas e eco-lógicas. É uma questão de tempo, não de escolha. Teremos de ser um pouco mais rápidos no caminho do aprendizado de novos valores. Não se trata de obter a prática da perfeição. Somos imperfeitos mesmo. Mas, um “pensamento ecologicamente positivo” já será uma grande conquista, pois assim estaremos estancando o processo destrutivo do meio ambiente da TERRA. A próxima etapa será transformar esses pensamentos em “ações ecologicamente positivas” privilegiando processos verdadeiramente construtivos e sustentáveis, onde a tecnologia seja um acessório útil, e não um fim em si próprio, sejam quais forem as conseqüências...

Só temos a agradecer aos outrora profetas do apocalipse, aqueles ecologistas, ecólogos, ambientalistas, ativistas, seja que nome queiramos dar a eles, que souberam evoluir saindo da mera denúncia para a proposição de soluções, embasadas pela comunidade científica.

Apesar disso, a maioria não quer abrir mão do seu conforto e de seus padrões de consumo. Esse é o grande desafio.

Ervin Laszio disse: “não é o mundo e sim nós mesmos, seres humanos, a causa de nossos problemas e que apenas redesenhando nosso pensamento e ação e não o mundo ao nosso redor, é que podemos solucioná-los”.

Eduardo Werneck Ribeiro de Carvalho – Economista, Diretor da ONG Pensamento Ecológico.

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