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Publicações / Ecoambiental / ecoeconomia

O Céu pode Esperar (Parte II)
Eduardo Werneck Ribeiro de Carvalho – Ago/2002

Sabemos da importância dos Estados Unidos para a consagração do Protocolo de Kyoto bem como reforçar, a nível mundial, a necessidade de mudança de paradigmas, em termos de implantação de uma visão ecológica mais profunda. Preocupa-me, entretanto, a posição que os defensores da Agenda 21 e do Protocolo de Kyoto tomarão em caso de fracasso na adesão mínima exigida. É compreensível que muitos países encarem sua adesão como uma medida política condicional à validação do Protocolo no âmbito internacional, principalmente pelos Estados Unidos.

O Sr. George Bush acabou de declarar que seu país só tratará desta questão em 2012, no terceiro mandato após este para o qual foi eleito, quando o presidente será outro. Incrível! Já poderemos ter “certeza” pelas suas palavras do que os próximos dois presidentes vão decidir.

Por essas razões é que não há mais como transferir a questão ambiental para o nível “País”, esperando para ver o que a “nossa atual referência EUA” fará em termos da responsabilidade ambiental. Sua visão econômica traz a questão ecológica para a superfície dos interesses dos seus principais eleitores, as empresas de energia, e consagra para os próximos dez anos, pelo menos, a predominância explícita dos interesses econômicos americanos sobre os interesses da biodiversidade mundial.

Vejam que paralelos interessantes: podemos condicionar nosso desempenho econômico à estabilidade da moeda, mas somos incapazes de condicionar o mesmo desempenho econômico à estabilidade da emissão de gases e outras práticas poluidoras. No primeiro caso, se a política de crescimento ameaçar a estabilidade inflacionária, então controle-se o crescimento. No segundo caso se a política de crescimento ameaçar a estabilidade do meio ambiente, libere-se a instabilidade ambiental e criemos defesas contra as ameaças da natureza, aumentando mais os gastos com pesquisa e assistência médica.

Todo e qualquer estrutura produtiva só se sustenta se a sociedade consumidora der a sua chancela. Pode-se tentar persuadir pela força da propaganda, mas na verdade, todos os produtos e serviços só terão seus processos de produção e interesses validados se aceitos em todo o processo da cadeia de consumo, onde sociedade consumidora é soberana nas suas decisões. O que podemos fazer? Parece simples, mas não é: “Dar preferência sempre a produtos ecologicamente mais corretos”.

Para dar suporte de informação e conhecimento à sociedade, poderíamos desenvolver um sistema internacional de rating de empresas poluentes nos moldes do que ocorre para análise de risco de crédito de empresas e países. Uma empresa rating A ou superior deveriam adotar princípios de emissão controlada de gases poluentes, de aproveitamento de resíduos produzidos durante seu processo produtivo, de incentivo ao uso de materiais recicláveis e reusáveis, de certificação ecológica de seus produtos, de atitudes de transparência e ética com seus empregados, acionistas, fornecedores, governo e comunidade.

Organizações internacionais e ONG’s poderiam criar uma convenção internacional para aplicação da obrigatoriedade de todos os produtos indicarem os efeitos colaterais criados para o meio ambiente durante todo o processo produtivo, tal qual é exigido das industrias de fumo e farmacêutica.

O poder público poderia tornar obrigatório o estudo da ecologia e de práticas de preservação ambiental nas escolas. As universidades deveriam ter também a obrigatoriedade da disciplina ecologia em todas as faculdades, não importa a especialidade.

Quando falamos das faculdades de economia, especificamente, sabemos que a ecologia está ainda distante da cultura econômica. Confesso que demorei mais de 20 anos para entender que a economia, em sendo a ciência da escassez, em sendo a ciência que trata da otimização na alocação dos fatores de produção não poderia tratar da exploração das riquezas naturais, sem um raciocínio ecológico subjacente. Confesso que demorei mais de 20 anos para entender que a ecologia deve ser definitivamente parte integrante do estudo da economia. A rigor, a economia deveria ser uma disciplina contida dentro do escopo ecológico. Isto é exatamente o inverso do nosso discurso de hoje.

Quando vemos eminentes economistas falando que o protocolo de Kyoto pode ser um remédio com efeitos mais amargos do que os efeitos colaterais do nosso modus vivendi, não podemos acreditar que afirmações como essas levem em conta preocupações com as futuras gerações. Se nestas afirmações, prevalece à lógica dos interesses produtivos dissociados dos interesses maiores da sociedade e da qualidade de vida. Então todos têm razão. Só não vamos entender que qualidade de vida é simplesmente viver mais. A industria farmacêutica agradece a demanda crescente e inelástica da população da terceira idade, vivendo cada vez mais, mas sufocada por uma atmosfera cada vez mais poluída, sem falar na cultura alimentar inadequada. Resultado: aumento do consumo de remédios.

Quando vemos um economista canadense contestar o protocolo de Kyoto, alegando que os prejuízos seriam consideráveis para a cidade de Alberta. Só podemos concluir que estamos perdendo completamente a capacidade de pensar. O que é bom para Alberta, é bom para o mundo? É esse o raciocínio lógico que aprendemos a construir? Porque Alberta não muda sua matriz de produção, incrementando a produção de equipamentos e produtos de energia solar? O problema seria resolvido: reestruture a economia de Alberta e ela contribuirá menos para a poluição do Canadá e do mundo.

Sabemos criar revoluções tecnológicas, mas temos enorme dificuldade de criar uma revolução ecológica. É uma séria limitação, sem dúvida! Parece que adotamos como preceito permanente de evolução, o desenvolvimento tecnológico. Se quisermos mudar alguma coisa, esta mudança exige um redirecionamento das prioridades de investimento em estudos e pesquisas da tecnologia para a ecologia, aprofundando pesquisas que beneficiem o restabelecimento do equilíbrio Homem-Meio Ambiente, que aperfeiçoem produtos e serviços que possam ser economicamente viáveis de serem consumidos pela sociedade, que tornem água e ar limpos.

Falar de desenvolvimento sustentável é tornar a visão ecológica um fim em si próprio. É aceitar que não podemos depender, em nossa matriz energética, do petróleo da maneira que dependemos. Não podemos desprezar o sol da maneira que desprezamos. Não podemos aceitar com tanta passividade e descaso que o terceiro milênio se consagre como a “era dos descartáveis”. Até o homem está se sentindo descartável. Será que é isso que queremos?

O Brasil não está no anexo I, não precisando, portanto, cumprir as metas estabelecidas no Protocolo de Kyoto, que ainda esperamos que aconteça (só depende do Japão). Entretanto, estamos em processo de crescimento acelerado de emissão de gases na atmosfera, mais de 35% nos últimos dez anos. Nessa velocidade, estaremos nos habilitando a integrar o grupo do anexo I em pouco tempo, ultrapassando a Alemanha, Canadá e Itália.

Temos a maior bio diversidade do mundo, a maior reserva de água doce do mundo, água subterrânea em grande quantidade, a maior floresta tropical do mundo. Só perdemos para a África em emanações de raios solares. Temos enorme capacidade de geração eólica e potencial de energia da biomassa.

O que estamos esperando para fazer a nossa parte independente de Protocolo de Kyoto? As ONG’s tem tido um papel preponderante no incentivo a praticas ecológicas e sociais, mas não podem fazer tudo sozinhas. Precisam do apoio da sociedade, através das classes empresariais, dos consumidores e demais partes interessadas.

Temos um enorme potencial de crescimento usando processos de produção limpa e quanto mais atuarmos nesta direção, maior será o nosso poder de barganha internacional e com isso aumenta nosso potencial de absorção de investimentos via “Mecanismo de Desenvolvimento Limpo” e outros mecanismos que surgirem para institucionalizar o financiamento a projetos de produção limpa.

As universidades terão sem dúvida um papel decisivo nesse campo, pois nelas germinam as discussões no campo da pesquisa e da tecnologia. Uma consciência ecológica crescente nas universidades será um sinal extremamente positivo. Melhor ainda será se essa consciência for plantada desde as escolas primárias. O céu ficará realmente estimulado a esperar.

Enquanto isso não acontece, “o céu continua perplexo” com a nossa desídia ecológica, pois ele pode nos fornecer fontes energéticas limpas as quais simplesmente não aproveitamos, por alegações menores de restrições de viabilidade econômica quando, na verdade, é falta de atitude mesmo.

O céu continua perplexo pelo pouco caso que estamos tendo com a preservação de nossas bacias hídricas, com nossas queimadas, com a nossa capacidade de agredi-lo e continuar achando-o belo.

Apesar de tudo, o céu pode esperar, mas pede que não esperemos muito para fazer a nossa parte, implementando uma ”política de estabilização macro-ecológica auto sustentada”, significando não apenas uma economia estável, com “inflação zero” e crescimento econômico auto sustentado, mas acima de tudo uma ecologia estável, com “nível de destruição zero” e organização ecológica auto sustentado, com sua biodiversidade preservada.

Em ambos os modelos, educação, alimentação e emprego para todos.

Caso o céu enxergue medidas positivas nos demais ¾ do mundo, já que não poderemos contar com os Estados Unidos, ele certamente há de esperar. O Brasil tem um papel preponderante neste processo.


Eduardo Werneck Ribeiro de Carvalho, Economista, Analista de Mercado, Diretor da ONG Pensamento Ecológico.

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