Get In Touch

twitter delicious facebook digg stumbleupon favorites more

Publicações / Ecoambiental / Ecoeconomia

A fome do ser humano, a fome da natureza e nossos limites de vivência
Eduardo Werneck Ribeiro de Carvalho (*)

Uma das prioridades do programa do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o “Programa Fome Zero”. Isto está representando colocar a questão da fome como uma prioridade em uma dimensão jamais colocada por nenhum governante ou país. Tudo o que foi feito até hoje, esteve restrito a ações de organismos paraestatais ou não governamentais, o que naturalmente tem impactos limitados, pois não é capaz de interferir nos fundamentos do problema.

Preocupa-me, todavia, que as ações anunciadas estejam apontando apenas providências unicamente econômicas relacionadas à geração de emprego e produção de alimentos.

No que se refere ao emprego, não tenho dúvidas. Esta talvez seja de fato a grande prioridade que deveria implicar na formulação de um pacto internacional de redução dos efeitos perversos que as inovações tecnológicas têm causado em termos de exclusão social. É certo que tivemos um progresso material inquestionável. Mas é certo também que a tecnologia fracassou na função de manter e criar empregos. Seu poder de destruir empregos tem sido bem maior do que criar empregos, em especial no mercado formal de trabalho. É certo também que o foco excessivo do desenvolvimento no progresso material e no conforto desviou o pensamento econômico de uma visão mais social e de bem estar.

Se nossa estrutura econômica formal permitisse empregos decentes para todos, sem dualidades (emprego formal x emprego informal). Se nossa estrutura econômica permitisse gerar empregos que significassem efetivamente bem estar social e não apenas produção ou renda: A resultante seria “Fome Zero” e Bem Estar “Cem”.

Quando falamos na questão da fome surgem algumas preocupações: atenderemos à demanda produzindo mais alimentos ou importando alimentos, tão somente? Ou faremos um esforço macro social para redução de desperdício de alimentos? Quanto de nossa natureza e de nosso meio ambiente poderá ser devastado para atender a uma necessidade justíssima que é permitir que seres humanos, enquanto vivos, possam se alimentar “adequadamente”. Quanta água será necessária para irrigar a expansão da produção, considerando-se que 70% da água doce usada no planeta é usada na agricultura.

Se quisermos tratar do tema de um modo sustentável, não podemos nem devemos resolver o problema criando outros problemas, muito sérios também, que é a devastação da natureza para produzir esses alimentos e o aumento da sede por falta de água.

Temos de prestar atenção, se em nome do Programa Fome Zero vamos resolver o problema da Fome do Ser Homem e criar fomes muito mais sérias: "Falta de Água” e a “Fome na Natureza”. Como disse, o ex-premier russo Gorbatchev, “A Natureza não Espera” e poderá dar um retorno muito mais sério, via desertificação de áreas, erosão de terras e redução da quantidade de água na Terra.

Lembremo-nos de que o entendimento de desenvolvimento sustentável vale para todos os seres vivos. Criar alimentos para todos às custas da destruição da natureza, de nossa água e de nossa biodiversidade é continuar a aceitar a premissa de Francis Bacon de que o Homem tem o direito de tirar o máximo proveito da terra e seus recursos naturais.

O Ser Humano é um dos raríssimos seres vivos cuja população cresce, sem nenhum controle natural ou ecológico, enquanto uma imensa diversidade de animais sofre ameaça de extinção e fome por falta de seus alimentos que lhes foram tirados para que pudéssemos liberar terra para produzir alimentos para os seres humanos.

Um dia, que não está longe, teremos de discutir seriamente quais são nossos limites em termos de expectativa de vida e ações humanas na terra. Um dia teremos de discutir seriamente quais são os nossos limites de sobrevivência na Terra. Não me consta que algum animal tenha conseguido ter sua expectativa de vida ampliada, na mesma proporção do ser humano, nos últimos trezentos anos. Se houver algum animal nessas condições, por favor, gostaria de ser informado, pois não sou biólogo e por isso não tenho informações precisas sobre essa questão.

A evolução quantitativa do homem de forma irrestrita significa simplesmente que precisaremos de mais alimentos de forma continuamente crescente. Teremos terra para tanto? Teremos água para tanto? Não conseguimos resolver os problemas dos que aqui estão hoje e aqui estiveram nestes últimos séculos. Com tudo isso a população não para de crescer graças à redução da taxa de mortalidade em proporções maiores do que a taxa de natalidade.

Precisamos discutir essa questão da fome junto com um enorme tabu para o Ser humano: devemos priorizar a inovação da bio tecnologia e da produção de remédios para salvar vidas ou para mantê-las vivas o tempo que a esta tecnologia e os remédios permitirem, sem importar as conseqüências para toda a nossa ecologia? Se este é o desejo do ser humano, este direito é extensível para todos os 6,2 bilhões de hoje, para os 7 bilhões de 2010. e, para os 10,5 bilhões em 2050?

Vamos matar a fome de todos os seres humanos famintos, mas que isso não signifique tornar a natureza e sua biodiversidade faminta.

Precisamos cuidar de criar condições dignas de vida para todos, entendendo que temos de nos autolimitar na Terra, aceitando o fato de que um dia de fato vamos morrer. Todos os seres vivos nascem, e morrem. Todos seguem o ciclo natural da vida. Hazel Henderson disse para Fritjof Capra que os economistas têm uma dificuldade enorme de aceitar a morte das empresas como um fato natural e necessário para que outras empresas surjam. Com certeza, ela concordará também de que não apenas os economistas, mas toda a espécie humana tem uma dificuldade enorme de aceitar a morte dos seres humanos, como fato natural para permitir que outros surjam e dêem continuidade à vida.

Não há como escapar do fato de que discutir a fome do homem é discutir também os limites da natureza e os limites de nossa vivência na terra, tal qual acontece com todos os seres vivos. Estamos chegando a um ponto em que permanecem vivos aqueles seres vivos que interessam ao ser humano para a produção de carne.

Neste ritmo de evolução de redução de mortalidade, pais e filhos poderão estar freqüentando juntos o mesmo asilo e, com fome, pois ninguém poderá sustentar, com alimentos e água, tanta gente ao mesmo tempo em que aumenta a desertificação e a erosão das terras, o desmatamento de nossas florestas, redução das fontes de água, o elemento mais essencial para a vida na Terra. Poderemos ter nossa fome saciada, mas poderemos estar, ainda neste século, morrendo de sede.

Como poderemos sustentar um sistema de vida onde o período de inatividade está ficando maior do que o período de atividade econômica. Lembremo-nos também que apesar de vivermos mais, os sistemas econômicos em vigor continuam considerando as pessoas de mais de 50 anos velhas para o trabalho, graças à exclusão provocada pela inovação tecnológica. Como vamos poder sustentar esse modelo?

Se pelo menos conseguíssemos reduzir o enorme desperdício de alimentos, que chega a mais de 30% desde o escoamento da colheita até o consumo final, estaríamos contribuindo para o problema. Estamos falando de um problema cultural, dos valores essenciais da vida. Neste quesito, a tecnologia pode nos ajudar muito pouco.

Tratar dessa questão de forma séria exigirá, urgentemente, a unificação dos fundamentos do pensamento econômico e do pensamento ecológico. O prefixo eco é o mesmo. Todas pessoas, famintas ou não, sedentas ou não, que moram na eco- nomia também moram na eco-logia. Com certeza o desperdício ecológico é praticamente zero comparado ao enorme desperdício econômico gerado no fluxo de produção e consumo criado pelo Ser Humano.

Na ecologia não existe lixo. Tudo se aproveita.

(*) Eduardo Werneck, Economista, Diretor do Pensamento Ecológico e Diretor da TSA Business especializada em Análise de Tendências, Modelagem Estatística para Negócios, Análise e Planejamento de Pesquisa de Mercado. Foi gestor de Fundos de Ações e de Fundos de Commodities na Caixa Econômica Federal.

0 comentários:

Postar um comentário